O Graal


Há muito tempo atrás, todas as mulheres eram belas sacerdotisas. Elas eram amadas e respeitadas pelos seus consortes e tudo funcionava perfeitamente por todos os lugares.
A Natureza se sentia amada e renovada a cada estação cantada e nutrida pelas mulheres, e os homens eram o vigor das buscas e descobertas. Tudo parecia indestrutível e certo. Apenas parecia.
Um dia o ser humano provou ser curioso e indecifrável.
Um dia cada parte olhou para a beleza da outra e não se contentou em apenas completá-la.
Um dia cada ser sentiu uma imensa necessidade de ser completo e independente do outro.
Um dia o grande círculo do equilíbrio se quebrou, e com ele a dor finalmente foi conhecida.
Desde então, a grande e incessante busca teve início.
A busca pela perfeição perdida através da curiosidade e do medo de entrega.
A busca pelos sonhos agora inatingíveis de complementação através de um grande amor.
A busca desesperada pelo Santo Graal.
Acredito que não exista praticamente nenhuma informação “realmente nova” para ser revelada nos dias de hoje. Tudo o que nos atrai, nos comove e nos toca, já é de longe algo conhecido e vivenciado, e tudo o que a vida atual tem nos proporcionado com estas chamadas “revelações” é nos acordar para reencontrar antigos tesouros nublados, esquecidos no mar de tantas vivências e aprendizados que acumulamos em tantos milênios de vida planetária.


O que vemos ao nosso redor são verdades que foram escondidas e negadas a muitos, guardadas a sete chaves por alguns “escolhidos” através de juramentos secretos de muitas vidas e que hoje saem, sutilmente, das mentes de alguns guardiões milenares que já entenderam que verdade existe para ser compartilhada. Assim, elas se espalham pelo globo, em forma de livros, mensagens, cursos, filmes e palestras, abrindo portas antigas e lacradas em nossas almas, nos levando a lembrar de quem realmente somos por trás dessas faces brancas, negras, amarelas, vermelhas, por trás dos idiomas diversos que falamos, da cultura da qual fazemos parte, e principalmente, da religião adotada – ou da falta dela – em nossos corações.


Falar hoje sobre o Graal é quase moda. Muitos estudos, entretanto são sérios e respeitam sua sacralidade e sua aura de amor e compaixão.


O que aprendi com esta “corrida pelo Graal” que assistimos, é que tudo sempre está certo. Dan Brown e seu “Código Da Vinci” jogaram para a massa um assunto que vivia apenas entre estudiosos e excêntricos, e – surpresa! – a verdade começou a ser desvelada.
Tive acesso a alguns arquivos da história espiritual de Dan Brown (apenas os coletivos, eu nunca acesso nada pessoal sem permissão), e entendi que ele fechava um ciclo: tinha sido um dos que guardou a verdade para si, em sociedades secretas criadas para resguardar o ensinamento como segredo, e agora sentia vontade e missão de revelar o que foi privado das massas. Pura roda da vida.


Eu mesma já vivi esta verdade por vidas e vidas, na ânsia de não deixar a verdade se perder. Hoje penso diferente, pois mesmo sem nosso sacrifício pessoal, talvez o Universo teria uma forma alternativa de guardar e depois revelar o que a humanidade está pronta para compreender. Mas foi nossa escolha, e colhemos frutos bons e complicados com ela. Eu honro as minhas, e não me arrependo. Pura roda da vida.


Longe das teorias e misticismo, o Graal é a mais pura imagem da Energia Feminina, apenas isso. Ele simboliza coisas que foram subvalorizadas há séculos: as capacidades femininas do amor, perdão, doação, compreensão, comunicação, dignidade, escolha, prazer, alegria, beleza, parceria, entrega, paz e soberania. Não é um cálice perdido em algum lugar, uma magia, uma mulher, um ventre sagrado ou o Espírito Santo. Ou é tudo isso junto, pois tudo isso é Feminino.


As histórias sobre ele sempre retratam homens valentes que desbravam seus medos e dúvidas para encontrar algo maravilhoso e belo, que cuidasse de suas dores e trouxesse de volta sua paz e alegria. É a história da humanidade, suas escolhas e tormentos.


Há muitos milhares de anos atrás, foi inevitável uma ruptura no equilíbrio dual que a humanidade vivia entre feminino (mulheres) e masculino (homens). Muitos acreditam que foi a ganância humana destruindo o paraíso (também acreditei nisso por vidas a fio), mas hoje a Consciência nos diz que era apenas parte da evolução. Era nossa vontade interna de sermos um ser completo, Uno, com as duas energias dentro de si. Mas ainda não podíamos simplesmente pedir a outra energia que trocasse sabedoria conosco... Tivemos que tomar o que não podíamos compreender.


Temos várias informações de culturas antiqüíssimas onde mulheres tomaram o poder baseadas em seus dons da geração da vida e ligação com o espiritual, e escravizaram os homens. Mas elas foram fadadas ao declínio. A Terra é um lugar físico, e a força física é permeada pela energia masculina, logo, foi ela que decidiu quem imperaria pelos longos milênios que se seguiram.


Não foi um  processo rápido, entretanto. Muito tempo e muito sangue foi derramado para espremer definitivamente a Energia Feminina dentro do Graal perdido, e colocá-la no altar do inalcansável.
Sacerdotisas foram violadas, amores destruídos, templos desrespeitados, parceiros traídos, divindades profanadas. Foi o ser humano acordando para sua vontade pessoal – em detrimento da coletiva – e correndo atrás dela como podia.
Triste? Eu sei. Mas foi a única forma que a humanidade entendeu por evolução. Pura roda da vida.


Nesta estrada conturbada, todos os valores masculinos foram aos poucos substituindo os femininos, em cada campo da vida. Primeiro, o poder material foi crescendo e fazendo oposição ao espiritual (antigamente legado da mulher). Depois, o mundo mental foi invadindo e tomando conta das decisões e escolhas, encolhendo as emoções para os corações individuais apertados e limitados de poder e manifestação.


Mas somos pessoas inteiras e precisamos de todas as energias. Antes, não havia divisão entre ciência e espiritualidade, as duas completavam a mesma idéia da sabedoria humana sobre tudo.


Não se tomava decisões racionais ou emocionais. As duas visões eram levadas em conta para se fazer as escolhas pela vida. Com a ruptura, loucuras e tragédias aconteciam por causa deste desequilíbrio. Com as emoções desrespeitadas, mulheres se tornaram amargas e duras, homens inseguros e obcecados por se libertar da “maldição” de desejar uma mulher. Com o Feminino encarcerado, o amor romântico e o prazer divino foram praticamente eliminados da humanidade. Sentir prazer se tornou algo proibido e motivo de perseguição e sacrifício. Todas as histórias antigas contam sagas de amores assim, onde homens e mulheres sofrem as dores de terem encontrado o amor e não viverem a possibilidade de desfrutar sua alegria e beleza.


Mas o poder mais difícil de tomar do Feminino foi o espiritual. A ligação da mulher com a mãe Terra, com a intuição e a vida sempre foram um inegável mistério e um obstáculo enorme ao poder masculino. Muitas mulheres utilizaram dele para crescer e imperar neste mundo, oferecendo seus serviços a homens ambiciosos. Outras negaram seus poderes e se submeteram a visão diminuída que a sociedade as oferecia, como forma de evitar sofrimento e conflito. Outras lutaram, canalizaram energia masculina (seja mental ou física) e resistiram. Mas confesso que todas sofreram.


Criar a idéia atual de que Deus é masculino, negar a energia primordial de Shekinah, dizer que a mãe de Jesus não conheceu o “pecado” de amar um homem e que sua parceira Madalena, uma mulher sábia e poderosa e portanto, temida, era simplesmente uma mulher sem caráter, foi a fórmula final para a concretização do pensamento patriarcal no Ocidente. No Oriente, por sua vez, a mesma onda se desmoralização acontecia, e sem perceber, o mundo se tornava mais duro.
As antigas aldeias livres e verdes, espalhadas pela Terra, deram lugar a castelos e fortalezas erguidas com a energia fálica para cima em torno de si mesma. Os antigos rituais sagrados realizados no seio da Mãe Terra, em seus altares da natureza, foram substituídos por Templos enormes, erguidos também como fortalezas. Os homens tinham medo, e se protegiam exibindo sua força física. Uns dos outros. Ou deles mesmos.


Guerras. Tecnologia. Ciência. Evolução de pensamento e poder. O mundo cresceu e conheceu tudo o que o Masculino pode gerar de positivo e negativo. Mas continua incompleto.
As mulheres, sem ver opções melhores, muitas vezes engrenaram na visão predominante, e fizeram escolhas em prol do masculino. Aprenderam viver o masculino de forma desordenada, e sentem dor e culpa, além de solidão. Os homens, no auge do seu poder, sentem cansaço e nostalgia de uma época onde podiam amar sem temer concorrência.


Todos buscam a energia do Santo Graal, internamente, como cura, mesmo sem saber.
Mas para acessá-lo, um milagre deve acontecer. O Graal fala de entrega, de confiança, de desapego e coletividade. O mundo fala de medo, de insegurança, de individualidade. Complicado, não é?


Não há como voltar, apesar de todo o medo. A energia feminina contida nos corações, na Terra, nas histórias e nas palavras sagradas estão se revelando, se tornando parte da nossa realidade, e esta mudança é inevitável, pois a Terra está renascendo, e para isso a união de amor entre masculino e feminino é essencial. Não há geração do novo sem este milagre. Pura roda da vida.


Assim, neste final de ciclo, o Graal sai da sua gruta de solidão, e a idéia do Feminino volta a brilhar. O Amor volta a ser real e apaixonado, a vida mais livre e leve, o poder mais justo e dividido, as necessidades transformadas, as emoções respeitadas, o corpo aliviado e a mente iluminada. Tudo isso sem abrir mão de todas as conquistas masculinas: ciência, tecnologia e poder pessoal.


Porque não é o Graal que traz a felicidade. É a união dele com a Espada, a energia Masculina que preparou este mundo como é hoje; juntos, podem fazer a humanidade se libertar. È a complementação pelo Amor, das duas energias, que nos faz evoluir, sem culpas ou mágoas, pelas estradas que tivemos que caminhar até aqui. É tudo pura roda da vida. Esta, que se renova dentro de nós, todos os dias.
E como uma incansável defensora do Amor, me permito pensar: quem sabe chega agora a hora dos homens deixarem de lutar pelo Graal ilusoriamente perdido e passarem a desfrutá-lo dentro de si, e ao lado de cada mulher desperta para seu divino, que a vida sagradamente colocar ao seu lado?
Eu espero que sim. Puro milagre de vida.